quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A Revolta Canina

Houve tempos em que o modo de resolver as coisas no mundo animal era mais civilizado, o rato atazanava o gato, que comia o rato e pronto, situação resolvida. Ou o gato que ficava enchendo o cachorro que não sossegava enquanto não pegasse o gato. Mas as coisas estão um tanto diferentes agora. Virou uma festa, é gato amigo de cachorro, cachorro amigo de rato, e inimigo de cachorro, gato amigo de gente (me desculpem os admiradores deste animal, mas eles são um tanto traiçoeiros geralmente, fora a folga).

Mas meu relato não é sobre eles, e sim sobre o tão dito “melhor amigo do homem”, sim ele mesmo, o cão. Aconteceu com um amigo meu (o bom de se escrever contos é a possibilidade de se manter a identidade oculta, ou não). E lá estava ele brincando com um belo espécime, um bicho bem conhecido pelas mulheres, por ser como elas dizem, “fofinho”. Um Yorkshire. Sim este pequeno, porém valente, animal, e pequeno não é modo de dizer, estava a se deliciar com as carícias do meu “amigo” (não pense em nada sujo, apenas uma inofensiva coceguinha na barriga). Porém a mão do meu “amigo” começou a fazer as cócegas com uma velocidade maior, e mais fortes, já que o animal, apelidado ironicamente de “Gigante”, parecia gostar. Não sei quais são os limites permitidos ao se fazer cócegas em um cachorro, mas ao chegar com as mãos em uma região próxima à costela, o “Gigante” deu um salto ornamental, digno da nossa campeã Ginástica Olímpica, e tentou com sua enorme boca, e seus dentes afiados, arrancar a mão do meu “amigo”, que se levantou rapidamente, não entendendo absolutamente nada. O furioso animal não ficou satisfeito com o susto que tinha dado ao pobre rapaz, e tentou lhe morder o joelho, sim o joelho. Mas porque não o pé (que estava descalço), ou a própria mão criminosa? Porque o joelho?

A sorte do pobre garoto é que a agora incontrolável fera estava sobre duas patas logo à frente de seus pés. Não hesitou, e com um movimento sagaz, o rapaz movimentou o pé direito num ângulo de mais ou menos noventa graus, e tirou o contato que as patas do animal tinham com o chão, fazendo com que a fera caísse de lado, e saísse correndo pelo apartamento de chão de madeira, deixando no ar apenas o barulho de suas garras afiadas, batendo no taco. Seria esse um sinal? De que os cachorros estão se revoltando contra o homem. Mas o que faria a humanidade sem seus melhores amigos? Nos rebaixar a pedir a amizade dos gatos é que nós não vamos.

Vício

Eram nove da manhã. Ele acordou, abriu os olhos, e como de costume, esperou alguns segundos para se levantar. Pronto, agora estava preparado para começar o dia. Exceto por um detalhe: não conseguia se mexer. Apenas do pescoço para cima. Logo pensou que só podia estar sonhando, então fechou os olhos, e ao abrir tentou se levantar num só movimento. Levantou apenas a cabeça.

Era um homem calmo, mas nesse momento, um enorme desespero tomou o lugar de sua paciência. Usou de todas as suas forças para tentar se mover. Inútil. Deitou a cabeça no travesseiro novamente. Agora, lágrimas caíam dos seus olhos. Ele que nunca chorava, estava agora aos prantos. Como poderia acontecer algo assim? Não havia registro de paralisia em sua família, nem convulsões, ou qualquer coisa que pudesse explicar o que se passava. As lágrimas agora paravam de cair. Ele começava a ficar tranquilo novamente, afinal, não era um homem tenso. Respirou fundo. Começou a pensar no que poderia ter causado sua atual situação. Era uma pessoa extremamente calma, e não tinha sofrido nenhuma frustração recentemente. Apenas uma: não conseguira, na noite anterior, comprar o pão doce que comia com freqüência, todos os dias. Mas não era possível, algo tão simples não poderia deixar um homem tão calmo, contrariado o bastante para torná-lo imóvel. Não entendia de jeito algum o que estava acontecendo.

Tentou relaxar novamente. Pôs-se a observar o quarto. O teto definitivamente estava precisando de uma pintura. Um vazamento, já consertado, o havia manchado quase todo. Não teve tempo para pintar, era muito ocupado. Olhou para o lado. Viu pela janela, trincada por uma chuva de granizo ocorrida no mês anterior, que o dia estava ótimo, ensolarado, perfeito para uma corrida, coisa que não fazia há meses, andava muito ocupado. Virou com a cabeça para o outro lado e viu o armário, a porta da esquerda estava caída em cima da outra, resultado de um dia em que chegou frustrado em casa, por ter brigado com a namorada. Coisa que não era de seu feitio, pois era muito calmo. Inclinou um pouco a cabeça e viu o computador, em cima da escrivaninha, com papéis empilhados por todos os lados. Andava muito ocupado para organizá-los. Ao lado, uma caixa de jóia. Em cima da escrivaninha também estava um saco de papel amassado, do pão doce que havia comido outro dia. Lembrou-se de que não tinha comido na noite anterior. Novamente, não deu importância para o fato e continuou a análise de seu próprio quarto. Levantou a cabeça e olhou para a parede oposta. Lá estava sua última aquisição, um televisor de plasma de 50 polegadas. Em volta dele, a parede com a pintura rachada, já que não dava um retoque há algum tempo. Estava ocupado demais para se preocupar com algumas rachaduras. Um pouco mais abaixo, encontrava-se o rack com o som estéreo que comprara na mesma semana da tv.

Deitou a cabeça novamente e começou a pensar. Lembrou da namorada, tão amada, que não via há dois dias, pois estava extremamente ocupado. Lembrou do dia em que comeu pela primeira vez, o pão doce, que se tornou seu companheiro de todas as noites, algumas vezes, substituindo a namorada. Era realmente muito bom, nem tão doce, ou salgado, no ponto certo. Lembrou-se do dia em que havia quebrado a porta do armário. O dia em que brigou com a namorada. Por causa do pão doce. Pensou então no dia da chuva de granizo. Estava em casa, com a namorada, comendo o pão doce. Lembrou-se do dia anterior, o dia que ele não comeu o pão doce. Na verdade, lembrou apenas do fato de não ter comido o pão, e mais nada. Voltou a pensar na namorada. No pão. Na namorada. No pão. De repente foi acometido de um sono incontrolável, não conseguiu resistir, dormiu.

Acordou às nove da manhã, como de costume. Abriu os olhos e num só movimento, se levantou. Podia se mexer normalmente. Não esperou um segundo. Saiu da cama. Foi ao mercado e voltou com uma lata de tinta, um pedaço de vidro, massa e parafusos. Pintou o teto, a parede. Tirou o resto do vidro que sobrava na janela e substituiu pelo novo. Parafusou a porta do armário. Pegou todos os papéis, incluindo o saco do pão doce, e jogou no lixo. Pegou a tv e o som e os levou a uma loja de aparelhos usados. Vendeu ambos. Suava, não conseguia entender muito bem o que estava acontecendo, estava agitado, ele que era um homem tão calmo, não conseguia ficar parado. Chegou em casa, pôs sua roupa de corrida, que estava com um leve cheiro de mofo, afinal, não usava há meses. Nem ligou. Pôs o tênis e saiu. Foi correr. No caminho resolveu passar na casa da namorada. Ela morava há 15 quarteirões de seu prédio. Chegou num instante. Respirou fundo. Ela, sem entender nada, permaneceu em silencio, apenas esperando, não sabia o que, mas esperando. Ele tirou do bolso a caixa de jóia que estava em cima da escrivaninha. Ajoelhou-se em frente à namorada e a pediu em casamento. Ela estranhou o pedido, feito tão repentinamente, mas aceitou sem pensar duas vezes. Entraram na casa. Ele nunca mais teve nenhuma experiência parecida com a do dia anterior, não conseguiu descobrir se foi um sonho, ou se acontecera realmente. Nunca mais comeu o pão doce.

#1

Não sei se por sorte, azar, destino, ou se alguém passou o link, você acabou entrando neste blog. Os contos e crônicas que aqui estarão, não terão, necessariamente, temas profundos e de difícil entendimento. São somente, como diz o nome, para que você, e eu, possamos nos distrair. Espero que goste.
E para manter a política de boa vizinhança: seja Bem Vindo(a) e Volte Sempre!